História da Capoeira
Entre as muitas hipóteses que surgiram e que ainda surgem, a que mais se assemelha ao correto é a de que esta palavra CAPOEIRA seja de origem Tupy-Guarany. Os índios chamavam de KAPU'ÊRA este local, que era sempre no meio das matas ao redor das fazendas de engenho, onde o mato era ralo, rente ao chão ou às vezes até mesmo cortado (roçado) pelos negros para a prática dos movimentos e golpes da luta. Até hoje os povos do interior dos estados brasileiros, principalmente de Minas Gerais chamam estes locais de Capoeira, muitas vezes sem saber que este é o nome que dá significado à Capoeira. Uma luta/dança veio para o Brasil com os negros africanos na época do Brasil Colônia, por volta do ano de 1538, na fase áurea do desbravamento e desenvolvimento do nosso país.
Na África, esta luta/dança não se chamava Capoeira e sim N'Golo e lá era apenas uma diversão. Havia, inclusive, campeonatos onde os melhores lutadores eram chamados de guerreiros, tinham privilégios junto aos líderes das tribos e sempre eram os preferidos pelas mulheres na hora de casarem, pois eram considerados os mais fortes e sadios. O N'Golo era praticado principalmente pelos "Humbes", uma tribo da região sul de Angola e a palavra N'Golo é traduzida por "Dança da Zebra". Os movimentos imitavam alguns movimentos das zebras em luta ou em carreira ou ainda, das zebras machos para conquistar uma fêmea no cio. Ao serem trazidos como escravos para o Brasil, os negros angolanos passaram a usar esta luta não mais para se divertirem, mas para se defenderem das atrocidades do homem branco. Não é possível dizer com exatidão em que data ou local se travou a primeira batalha corporal entre negros e brancos, na qual foram utilizados golpes de Capoeira. Porém, já foram encontrados registros de sua existência a partir do século XVII, no litoral da Bahia, onde era maior a concentração de negros no Brasil. Também se diz dos litorais de Pernambuco, Rio de Janeiro, Alagoas e Paraíba. Conta a história que os negros do Quilombo dos Palmares, o maior e mais famoso reduto de negros fugitivos que existiu, levaram uma enorme vantagem nas lutas corporais contra os seus perseguidores, tendo em vista a rapidez, a violência e a potência com que os negros deferiam golpes de pés e pernas, conseguindo cada guerreiro levar vantagem sobre três ou quatro homens do rei, como eram chamados os soldados naquela época. Foi devido a esta habilidade de lutar de seus integrantes que o Quilombo dos Palmares resistiu por mais de cem anos às invasões e à destruição. Até chegar ao que é hoje a arte da Capoeira, passou por muitas "provações", pois após ter sido marginalizada e até mesmo proibida, ainda sobreviveu por conta de Mestre Pastinha e Mestre Bimba que, apesar de toda a fama que tiveram, morreram abandonados, na miséria e sem verem sua arte valorizada e difundida aos quatro cantos do mundo.
Na época da escravidão a prática da Capoeira foi perseguida a ferro e fogo. Porém, depois de passado este período, a Capoeira ainda continuou a ser alvo de poderosos que tentavam dar-lhe um fim, impondo leis à sua prática. O código penal de 1890, criado durante o governo do Marechal Deodoro da Fonseca, fazia proibição à prática da Capoeira em todo o território nacional e, reforçado por decretos que impunham penas severas aos capoeiristas, este código só fez aumentar o ódio às perseguições dos chefes de polícia que tentavam a todo custo fazer valer a lei contra os capoeiristas. O motivo de tanta perseguição era o que a Capoeira trás em toda a sua essência, ou seja, a liberdade. Mesmo passando por todas estas provações, a Capoeira resistiu e se firmou até os dias atuais. De luta proibida antigamente, a Capoeira passou a ser um esporte, ou melhor, o esporte nacional. Genuinamente brasileira, a Capoeira hoje é uma "potência" que dá aos seus praticantes mais fiéis um meio de vida e sustento, sem luxo nem ostentações, mas com dignidade e respeito. Do crime reprimido à duras penas ao esporte praticado pelo mundo afora, esta é a Capoeira, uma herança negra que todo mundo guarda em si como um tesouro invaliável.
No tempo da República, quando foi proibida, a Capoeira se fez transformar em crime e o crime gera a violência. Nesta época, os capoeiristas eram considerados marginais e, para dar continuidade à prática proibida, eles se escondiam em barracões das companhias portuárias das cidades do Rio de Janeiro, Recife e Salvador. Os Capoeiras, como eram chamados, se organizavam em bandos e esses bandos eram chamados de "maltas". As maltas de Capoeira saíam para enfrentar rivais em festas e datas comemorativas diante das bandas militares e procissões religiosas misturando assim, brincadeira e violência. Os que eram mais perigosos não se expunham tanto assim, mas eram bons nas lutas de faca, porrete e navalha. A propósito, a navalha era uma das armas mais usadas por aqueles que não tinham poder aquisitivo para possuir uma arma de fogo. Elas eram constantemente roubadas das barbearias para uso como arma de luta. Nesta época, o sistema partidário político era movido à corrupção, e para tanto, a Capoeira foi uma ferramenta ideal pois, além de ser considerada prática criminosa, os Capoeiras faziam verdadeiras badernas, tornando-se uma valiosa arma entre partidos rivais para que um pudesse destruir o comício do outro. Para isso, um partido contratava sorrateiramente duas maltas rivais sem que uma soubesse do contrato da outra para que se encontrassem no comício e a partir daí, a confusão estava formada, cabendo à polícia, acabar com a festa. Duas das "gangues" mais violentas do Rio de Janeiro, naquela época, eram as dos Guaiamuns e dos Nagôs, verdadeiras fortalezas em matéria de briga de rua e de desordem pública. A gangue dos Nagôs servia ao Partido Conservador e a dos Guaiamuns, ao Partido Liberal, sendo estes dois os maiores e mais poderoso partidos políticos da época, imagina-se o resto.
Até então, a lei punia com penas que variavam de 300 açoites com sal e cachaça mais a ida para o calabouço das prisões a quem fosse pego na capoeiragem. Porém, o auge da repressão se deu em 1893, quando foi instituída a deportagem dos capoeiras do Rio de Janeiro para a Ilha de Fernando de Noronha onde havia um presídio de trabalhos forçados. Na Bahia, a capoeiragem foi desorganizada pela eminência da Guerra do Paraguai e, todos os que fossem pegos na vadiação da Capoeira eram mandados para a linha de frente da guerra de 1864. As gangues do Recife só foram extintas em 1912 por pura falta de graça para a violência pois, foi a partir desta data que a Capoeira passou a ser considerada como brincadeira e deu origem ao frevo, como tudo que deixa de ser proibido perde a graça.
Foi em nome da liberdade para a Capoeira como um todo que a luta continuou e continua até hoje. Mesmo sob o ferro da repressão, grandes nomes de capoeiristas célebres passaram para a história. Entre estes estão nomes que já se foram como Mestre Pastinha, Mestre Bimba, Mestre Gigante, Manduca da Praia, Mestre Leopoldina, Pedro Cobra, Nascimento Grande e Besouro Mangangá, que ganhou este apelido devido ao conteúdo de uma lenda que o cercava e que dizia que quando ele se via cercado por muitos homens armados, ele se transformava num inseto, um besouro gigante e saía voando, deixando todos apavorados com seu sumiço. Sem usar armas, a Capoeira bateu-se esse tempo todo contra a injustiça que perseguia seus praticantes. Hoje a Capoeira é arte, arte livre e pura que trás em seu íntimo a luta de um povo pela própria liberdade de viver.
No Brasil a Capoeira cresce num contexto de conflito no Recôncavo Baiano, nas fazendas do Rio de Janeiro e nas serras de Pernambuco. Através da saga dos quilombos foram aprimoradas técnicas de combate, dissimuladas nas senzalas, onde, diante dos olhos do feitor, era praticada a luta em forma de dança. No dia 31 de outubro de 1821, o intendente geral da polícia da corte recebia do príncipe regente, instruções para por fim às desordens provocadas pelos Capoeiras. Com a guerra do Paraguai, estes capoeiristas faziam parte das maltas de Capoeira que promoviam a desordem pública e atemorizavam os transeuntes, intimidando pessoas pacíficas. Cabe destacar que, além de muitos elementos oriundos de classes mais pobres, muitos rapazes da alta roda da burguesia cultivavam com entusiasmo a prática da Capoeira que já estava criando raízes na sociedade carioca. Em 1890, com o advento da república, teve início uma ferrenha campanha contra a prática da Capoeira, levando muitos jovens da sociedade a se transformarem em marginais, já que a Capoeira era tida como crime. Devido a tanta proibição foram criados códigos e estratégias de comunicação através dos toque de Cavalaria (a polícia anda a cavalo), ou através do toque Amazonas ou de São Bento Grande que dava aviso de área livre. Toda esta perseguição era na verdade preconceito, racismo e luta de classes, misturados com medo e ignorância por parte daqueles que se sentiam ameaçados com o fortalecimento da cultura afro-brasileira. No entanto, em 1937, o então presidente Getúlio Vargas, revogou a Lei Sampaio Ferraz, liberando a capoeiragem. Isto depois de assistir a uma apresentação de Mestre Bimba e de seus alunos. Esta apresentação deixou Getúlio Vargas muito impressionado com a beleza da arte da Capoeira, e dando licença a Mestre Bimba para registrar sua "escola", tornando-se o primeiro a sistematizar o ensino da Capoeira no Brasil. Mestre Bimba introduz inovações no jogo, golpes e contra-golpes de bateria, o atabaque, o berimbau, o agogô, o reco-reco, destituindo do jogo rituais como a ladainha, por exemplo. Era a Capoeira Regional. O estilo Angola resiste e permanece até hoje como a expressão primeira da Capoeira. Comparações à parte, o que importa mesmo é a vitória desta cultura tão rica e tão importante que é parte maior da atual cultura brasileira.
A prática da Capoeira está intimamente ligada à música, por ser esta uma arte completa que envolve o desenvolvimento físico e as aptidões artísticas de seus praticantes. A Capoeira desenvolve-se ao som de uma "orquestra" muito particular e peculiar por natureza. Esta orquestra é composta de um atabaque, dois pandeiros e de um a três berimbaus e, são estes instrumentos que acompanham as "cantorias da roda". Dentre os vários tipos de "cântigos" de uma roda de Capoeira, destacamos:
CHULA
É uma cantiga curta, normalmente feita de improviso que faz apresentação ou identificação. É entoada pelo cantador para fazer a abertura de sua composição. Normalmente faz uma louvação aos seus mestres às suas origens ou à cidade em que nasceu ou está no momento, pode ainda fazer culto à fatos históricos, lendas ou algum outro no momento, pode ainda fazer culto a fatos históricos, lendas ou algum outro elemento cultural que diga respeito à roda de Capoeira. É comum aos cantadores da roda usarem a chula como introdução para as corridos e ladainhas e, durante a mesma é sugerido um refrão para o coro cantar.
CORRIDO
Como o próprio nome já sugere, é uma cantiga que "acelera" o ritmo e que se caracteriza pela junção do verso do cantador com as frases do refrão repetido pelo coro total ou parcialmente, dependendo do tempo que o cantador dá entre os versos que canta. O cantador faz versos curtos e simples que são à toda hora repetidos e o conjunto deles é usado como refrão pelo côro. O texto cantado pode ser retirado de uma quadra, de uma ladainha ou de uma chula ou ainda de cenas da vida cotidiana, de um passado histórico ou simplesmente da imaginação do cantador. Geralmente, o ocorrido é cantado nos toques de São Bento Grande, Cavalaria, Amazonas, São Bento Pequeno, sempre em toques mais acelerados.
QUADRA
É o que o nome diz, uma quadra. A quadra é uma estrofe curta de apenas quatro versos simples, cujo conteúdo pode variar de acordo com a criatividade do compositor que pode fazer brincadeiras com sotaque ou comportamento de algum companheiro de jogo, pode fazer advertências, falar de lendas, fatos históricos ou figuras importantes da Capoeira. Normalmente as quadras terminam com uma chamada ao côro que pode ser: camaradinha, camará, volta do mundo, aruandê, Iêê...Êêê...dentre muitas.
LADAINHA
É um ritmo lento, sofrido, dolente, é como uma reza, uma oração muito parecida com as que são feitas na Igreja Católica em louvor ao terço. O conteúdo de uma ladainha corresponde a uma oração longa e desdobrada pelo cantador em versos entremeados pelo refrão repetido pelo côro. As ladainhas , exclusivas do jogo de Angola, são cantadas antes do início do jogo. Os participantes da roda devem ficar atentos ao cantador, pois na ladainha pode ser feito um desafio e, quando for dada a senha para o início do jogo qualquer um pode ser chamado neste desafio. Normalmente, depois que a roda acaba, é feito um "samba de roda" para acalmar os ânimos mais exaltados durante o jogo. O samba de roda tem letra um pouco mais longa do que o corrido e a quadra, mas se compara bem de perto ao conteúdo de uma chula ou ladainha. Numa roda de Capoeira, apenas uma pessoa canta, o resto do povo responde o coro e bate palmas.
As variações musicais do berimbau são os vários toques executados pelo tocador para definir o tipo de jogo que será feito na roda. Um bom capoeirista deve, ou melhor, tem obrigação, saber o maior número de toques, bem como o significado e o tipo de jogo praticado em cada um desses toques. Estes são os toques mais usados, cada um deles tem um significado. Vejamos:
TOQUE DE ANGOLA: É o toque específico do jogo de Angola. É um toque lento, cadenciado, bem batido no atabaque, tem um sentido triste. É feito para o jogo de dentro, jogo baixo, perigoso, rente ao chão, bem devagar.
SÃO BENTO PEQUENO: É o toque para jogo solto, ligeiro, ágil, jogo de exibição técnica. Também conhecida como ANGOLA INVERTIDA.
SÃO BENTO GRANDE: É o toque mais original da Capoeira Regional. É muito usado em apresentações públicas, rodas de rua, batizados e outros eventos e também nas rodas técnicas das academias para testar o nível de agilidade dos alunos.
TOQUE DE IÚNA: É usado apenas para o jogo dos mestres. Neste toque, aluno é platéia, nãojoga nem bate palmas, jogam apenas os mestres. No toque de Iúna não há canto.
AMAZONAS: É o toque festivo, usado para saudar mestres visitantes de outros lugares e seus respectivos alunos. É usado em batizados e encontros.
CAVALARIA: É o toque de alerta máximo ao capoeirista. É usado para avisar o perigo no jogo, a violência e a discórdia na roda. Na época da escravidão, era usada para avisar aos negros Capoeiras da chegada do feitor e na República, quando a Capoeira foi proibida, os capoeiristas usavam a "cavalaria" para avisar da chegada da polícia montada, ou seja, da cavalaria.
SANTA MARIA: É o toque usado quando o jogador coloca a navalha no pé ou na mão. Incita o jogo mas não incentiva a violência.
BENGUELA: É o mais lento toque de Capoeira regional, usado para acalmar os ânimos dos jogadores quando o combate aperta. Em seu início, era tocado com apenas um berimbau. Atualmente, se usa três.
IDALINA: É um toque lento, mas de batida forte, que também é usado para o jogo de faca ou facão.
SÃO BENTO GRANDE DE BIMBA: Como o nome já diz, é o toque de Bimba, pois é um tipo de variação diferente que mestre Bimba criou em cima do toque original de São Bento Grande. É o hino da Capoeira Regional Baiana.
Bibliografia: Apostila elaborada por Maurício Pastor
(Atualizada em janeiro 2010)